Primeira pesquisa brasileira sobre a ontologia das interações consciência-matéria
Posted by Marcadores: Gabriel Guerrer
Hoje, dia primeiro de julho
de 2015, inicia no Instituto de Psicologia da USP meu Pós-Doutorado
experimental sobre a ontologia das interações consciência-matéria. O projeto
intitulado “Uma investigação empírica do papel da Consciência na construção da
Realidade” é supervisionado pelo Dr. Wellington Zangari, coordenador do INTERPSI
- Laboratório de Psicologia Anomalística e Processos Psicossociais.
A
experiência proposta é pioneira em território nacional e implementará uma
colaboração multidisciplinar entre os institutos da Psicologia e da Física da
USP. A seguir explico como será a experiência proposta e suas possíveis
implicações.
Premissas
Consciência
é ao mesmo tempo a nossa experiência mais direta e a menos compreendida. O fato
é que nós [1] estamos presenciando constantemente e em primeira mão uma espécie
de filme interno que é decorado por variadas sensações, pensamentos, intenções
e demais conteúdos pertencentes ao espectro da experiência humana. Independente
dos conteúdos, existe um palco em que tudo isso acontece. Quando falar de consciência, estarei me referindo a esse
lugar/experiência/substância.
O
interessante é que com todos os avanços científicos dos últimos séculos, ainda
não temos modelos satisfatórios e estamos longe de explicar o que é e como a
consciência funciona. Ainda estamos estagnados em uma das primeiras questões que
podem ser elaboradas sobre o tema: quais são os ingredientes necessários para
que esse espetáculo ocorra? Em outras palavras, a consciência é um produto da
matéria ou seria algo tão fundamental quanto?
Percebemos
que o atual consenso científico é materialista.
Isso significa que a maioria dos cientistas partem da premissa de que a matéria
é a única substância fundamental que compõe o mundo. Nessa visão, poderíamos
reduzir a nossa experiência interna a reações químicas e mais fundamentalmente
a interações físicas. Nessa visão, consciência é o produto emergente de uma
organização complexa de neurônios chamada cérebro. Nessa visão, cérebro gera
consciência. Logo, consciência seria um desenvolvimento mais recente do
processo evolutivo, uma capacidade exclusiva de seres dotados de complexa
estrutura cerebral.
Porém,
existem algumas dificuldades em relação ao paradigma materialista.
Inicialmente, ninguém ainda conseguiu explicar como que as propriedades físicas
dos sistemas como posição, momentum, spin, comprimento de onda, etc, podem dar
origem a algo de uma natureza completamente diferente como, por exemplo, a
sensação/experiência subjetiva da cor vermelha. Argumenta-se em relação a esse
ponto, que a consciência é um produto que surge de uma organização complexa e
que ainda não conseguimos entender essa tradução por limitações da nossa
própria inteligência.
Aprofundando,
o filósofo David Chalmers nos alertou sobre o problema difícil (Hard Problem)
da consciência : por que a experiência subjetiva existe? Por que a natureza se
dá esse trabalho se a princípio não há uma função evolutiva?
Finalmente,
existem resultados de algumas pesquisas conduzidas em laboratório que
constituem anomalias em relação a visão materialista. Esse é o tema da pesquisa
proposta.
Pesquisa
Embora
não saibamos dizer o que exatamente é a consciência, partindo do pressuposto
materialista podemos utilizar nosso conhecimento atual sobre a Física para
delimitar as suas capacidades. Inicialmente, entende-se que sistemas “quentes”
e complexos como o cérebro operam dentro das leis da Física Clássica (FC). Por
sua vez, na FC a troca de informação entre sistemas deve ser local. Isso
significa que qualquer troca de informação deve acontecer ou por contato
físico, ou mediada por alguma outra entidade física. Se o cérebro é consciência
e é descrito pela FC, as trocas de informação entre seres humanos devem ser
mediadas apenas por ondas sonoras, eletromagnéticas e vibrações.
A
boa notícia é que a validade da premissa materialista pode ser testada em
laboratório. Basta desenvolver um experimento que revele uma troca de
informação, ou uma interação, entre dois sistemas em um contexto cujas fontes
usuais de mediação estejam impossibilitadas.
Para
investigar essa questão, o pesquisador Dean
Radin do Instituto de Ciências Noéticas (IONS)
iniciou em 2008 uma classe de experimentos [2, 3, 4] nos quais participantes
são convidados a interferir mentalmente em dispositivos de interferometria
ótica.
Do
ponto de vista Físico, o experimento é relativamente simples. Há um laser que
passa for uma fenda dupla e forma um padrão de interferência que é captado em
intervalos regulares por uma câmera CCD. O sistema é isolado de modo que
vibrações e ruídos eletromagnéticos não influenciem o sinal medido. A novidade
é que participantes são convidados a entrar na sala em que o experimento está
acontecendo e devem agir diferentemente conforme duas situações experimentais: atenção dirigida ou relaxamento.
Na
primeira situação os participantes são convidados a concentrar sua atenção no
dispositivo, direcionando sua intenção de alterar o padrão de interferência por
uma via subjetiva (pede-se que os participantes “percebam mentalmente” os
fótons do experimento de modo a adquirir informação sobre sua trajetória,
apliquem “forças mentais” de modo a influenciar seu deslocamento, ou “tornem-se
um com o sistema ótico” por uma via contemplativa). Nas condições de relaxamento os
participantes devem interromper qualquer tentativa de influenciar o dispositivo
experimental.
Reunindo
o resultado de várias sessões e de vários participantes diferentes, é possível
comparar estatisticamente o padrão de interferência medido pela câmera CCD nas
duas situações. O interessante é que contrariando o esperado pela visão
tradicional, nos três artigos publicados [2, 3, 4] os participantes causam uma
alteração estatisticamente significativa no aparato durante as situações de
atenção dirigida. Igualmente interessante, existem duas categorias de
participantes: meditadores e não meditadores [5] e apenas os primeiros
conseguem produzir as diferenças, apontando para a possibilidade de que tais
fenômenos ocorram, mas dependam de estados alterados/modificados de
consciência.
Caso
os resultados da pesquisa do Dr. Radin estejam corretos, seremos convidados a
rever a concepção usual sobre a consciência ser equivalente a cérebro. Caso a consciência
tenha a real capacidade de influenciar a matéria à distância, é possível que
exista um tipo de força que os modelos atuais da física ainda desconhecem.
Nesse caso, a consciência não poderia ser reduzida a constituintes materiais e
as quatro interações fundamentais atualmente conhecidas. Logo, consciência
passaria a ter um status tão fundamental quanto o da matéria, ao invés de
produto final do desenvolvimento evolutivo conforme a visão do materialismo
emergente.
Supondo
a consciência como um “campo de força fundamental”, podemos a compreender, em
um certo sentido, como um fenômeno compartilhado. Ao mesmo tempo, ao longo da
existência humana, praticantes de diversas linhagens místicas/espirituais relataram
de forma sistemática uma certa unidade intrínseca de nossa existência. Caso a
hipótese do “campo de consciência” seja confirmada, é possível deslumbrar as implicações
culturais de uma possível ponte entre ciência e espiritualidade, na medida em
que a última estaria relacionada com a exploração subjetiva da real natureza da
consciência.
Por
outro lado, ao conhecer os resultados da pesquisa do Dr. Radin é necessário
questionar se todos os cuidados experimentais foram tomados para isolar os
efeitos medidos das fontes usuais de troca de informação e se as análises dos
dados foram bem conduzidas. Assim, a proposta do projeto de Pós-Doutorado na
USP consiste na replicação das pesquisas de interação consciência-matéria do
Dr. Radin.
A
pesquisa em questão terá a colaboração de um laboratório do instituto de
Física
da USP que disponibilizou os equipamentos necessários para a execução do
experimento. É um momento interessante em que uma nova área de pesquisa
multidisciplinar
surge no contexto das grandes instituições de pesquisa brasileiras.
Embora o
tema seja controverso, o design experimental constitui uma maneira
empírica de
investigar a questão. Independente de nossas expectativas, os dados
falarão por
si mesmos.
Aguardem
em breve, cenas dos próximos capítulos.
Para saber mais sobre a pesquisa, leia o projeto original.
Notas e referências
[1] Há
quem defenda a possibilidade solipsista de que somente EU seja real e que o
mundo ao redor não passa de um sonho. Embora não seja possível refutar de forma
empírica essa ideia, o autor a deixará de lado no que se segue.
[5] A
distinção entre as duas categorias de participantes pode ser generalizada pela
correlação com uma escala de absortividade. Pontuam alto nessa escala pessoas
que tenham a capacidade de focar sua atenção plenamente em uma tarefa a ponto
de “se esquecerem do mundo de fora” e não estarem mais pensando na atividade
que executam. Exemplos típicos são músicos, artistas, terapeutas holísticos,
praticantes de artes marciais, atletas, meditadores, religiosos, entre outros.
http://gabrielguerrer.com/post/122969616987/posdocusp
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