O poder da mente

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Os chamados poderes ou capacidades paranormais realmente existem e são aceitos pela ciência? E em que estado se encontram as pesquisas científicas sobre o tema? Alguns dos maiores parapsicólogos do Brasil falam sobre o assunto.


É provável que os fenômenos parapsicológicos, ou psi, nunca tenham sido tão pesquisados e discutidos pela ciência quanto nos dias atuais. Inúmeras faculdades em todo o mundo dedicam muito tempo aos experimentos e ao desenvolvimento de pensamentos teóricos. Cientistas consagrados também têm se manifestado sobre o tema, mas apesar disso ainda pode se encontrar muita resistência em falar sobre o assunto.

Um exemplo dessa postura pode ser visto na pesquisa realizada pelo dr. Richard Coll com cientistas das universidades de Waikato e Leicester; o resultado mostrava que a maioria dos pesquisados não descartava a possibilidade de que algumas casas possam abrigar fantasmas (para não falar que eles acreditam que, no passado, alguma raça alienígena possa ter vindo à Terra). Mas quando se trata de apresentar suas crenças ou idéias publicamente, a coisa é diferente.

Afinal de contas, é possível hoje em dia se dizer que existe algo como sexto sentido, poderes mentais, capacidades paranormais, psi ou mediúnicas? Para o psicanalista Jayme Roitman, membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas do CLAP (Centro Latino Americano de Parapsicologia), há evidências científicas da existência de fenômenos psi, e isso se levando em conta os milhares de relatos, pesquisa de casos espontâneos e, principalmente, os resultados significativos em laboratório.

“Existem os que negam os fenômenos”, explica Roitman. “Que razões os levam a isso? Vou dividi-los em duas categorias. Uma parte dos críticos considera, por cautela, que é preciso resultados mais significativos nas pesquisas para que se possa afirmar a existência de psi e que mais experimentos devem ser feitos. Tenho muito respeito por essa posição. Por outro lado, existem aqueles que simplesmente a negam: como psi parece não estar de acordo com certos paradigmas científicos atuais, psi não pode existir. Vejamos, por exemplo, aquele que possivelmente é o maior crítico do mundo quanto aos experimentos laboratoriais de psi, o psicólogo norte-americano Ray Hyman. Quando analisou experimentos cujos resultados eram significativos para a hipótese psi, ele avaliou: ‘Não pude encontrar nenhuma falha, se há alguma presente. Mas também é impossível, em princípio, dizer que qualquer experimento em particular ou série experimental é completamente livre de possíveis falhas’”.

A professora Fátima Regina Machado – diretora-executiva do Centro de Estudos Peirceanos e co-diretora do Inter Psi, da PUC de São Paulo – acabou de defender sua tese de doutoramento, A Ação dos Signos nos Poltergeists - Estudo do processo de comunicação dos fenômenos Poltergeist a partir de seus relatos. Segundo ela, “a aceitação da existência de psi implica na mudança de paradigma, de visão de mundo. Por isso há tanta resistência. Para aqueles que julgam ter sua visão de mundo apoiada em bases científicas sólidas, é terrível pensar que talvez isto possa ruir. Assim, preferem negar em vez de pesquisar”.

ACEITAÇÃO E REJEIÇÃO.

O psicanalista Wellington Zangari - Mestre em Ciências da Religião, doutorando em Psicologia (IP-USP), Membro do Lab. de Psicologia Social da Religião (USP) e Coordenador do Inter Psi – diz que existem críticos à parapsicologia cujos argumentos parecem estar alinhados à visão tradicional ou clássica de ciência. “Por outro lado”, ele explica, “é inegável que a parapsicologia conquistou certo espaço científico. Assim, não se pode dizer que haja uma aceitação integral da parapsicologia nos meios científicos, da mesma forma que seria incorreto dizer que há rejeição”.

Ele também fala sobre a necessidade de se ter um novo paradigma, não metodológico, mas teórico. “O método científico tem se mostrado impecável para a apreensão dos fenômenos”, diz Zangari. “O que precisamos é uma teoria explicativa desses fenômenos. Conhecemos os efeitos de psi, já dispomos de muitas correlações fortes entre variáveis psicológicas (como tipos psicológicos, personalidade, atitude, crenças e motivação), características entre o sujeito experimental e o tipo de experimento (uso de material de forte impacto emocional e dinâmico), variáveis psicofisiológicas (uso de estados alterados de consciência como sono, meditação, relaxamento, hipnose e ganzfeld; esta última é uma técnica com o objetivo de propiciar um estado psicofisiológico capaz de fazer o cérebro produzir maior quantidade de imagens mentais), variáveis ambientais (como a variação dos campos geomagnéticos). Mas não temos qualquer teoria que seja integradora de todos os resultados encontrados, tanto na pesquisa experimental quanto nas pesquisas de casos espontâneos. Pessoalmente, vejo que um bom modelo, ou seja, um modelo que seja experimentalmente testável, deverá sair da física. Mas ele deverá se integrar com alguma teoria forte da psicologia, já que sabemos que os fenômenos psi são dirigidos pela mente humana. Particularmente, gosto de pensar que o que chamamos de mente talvez esteja presente no que chamamos de matéria. Uma teoria testável que dê conta de ambos os aspectos do fenômeno poderá ser útil. Essa teoria ainda não existe, apesar de algumas boas tentativas atuais como a teoria holográfica”.

Jayme Roitman destaca que a parapsicologia é uma ciência que está no estágio de pesquisa básica ou seja, não aplicada. “Penso que é prematuro qualquer tentativa de aplicação prática de psi atualmente”, diz Roitman. “Como o fenômeno é espontâneo, fica difícil estudar sua características”. Da mesma forma ele explica que não existe consenso com relação aos mecanismos envolvidos que possibilitem psi. “Existe desde explicações que sugerem que ela não é física, até aquelas que propõem que psi é somente física, correlacionando-a com dinâmicas física quântica. Não existe uma teoria geral de psi que tenha aceitação unânime entre os pesquisadores”.

Wellington Zangari entende que não vai demorar para que se tenha um modelo suficientemente abrangente de psi, uma vez que há pesquisadores de psi que são bons físicos e bons psicólogos que já propuseram teorias que procuram integrar, parcialmente, os dados disponíveis.

IDEOLOGIA E PODER.

Segundo Zangari, uma análise do sociólogo James McClenon, em seu livro Deviant Science: The Case of Parapsychology, pode ser útil para se compreender os processos de aceitação e rejeição da parapsicologia no contexto científico. McClenon sustenta que a rejeição por parte dos cientistas se dá por conta da impregnação do cientismo na mentalidade cientifica. E por cientismo ele entende “o corpo de idéias usadas para legitimar a prática da ciência. Essas idéias são usadas para avaliar alegações de anomalias em termos de atitudes existentes na ciência institucionalizada”. Assim, os cientistas definem o que é ou não ciência a partir do cientismo, que diz que as anomalias devem ser investigadas apenas quando puderem ser repetidas, investigadas em laboratório e permitirem explicações de tipo mecanicista.

Em 1969, a Parapsychological Association (PA) foi aceita como membro da American Association for Advancement of Science (AAAS), mas segundo McClenon isso não se deu devido à aceitação das anomalias estudadas pela parapsicologia, mas pelo papel desempenhado por aspectos políticos e retóricos que envolveram essa aceitação. A PA já havia pedido a afiliação quatro vezes antes, de 1961 a 1968, e tinha sido negada. A parapsicologia não sofreu qualquer alteração importante nesse período. Segundo Zangari explica, o que mudou foi que Douglas Dean, ex-presidente da PA, se esforçou no sentido de melhorar as estratégias retóricas dos membros da PA antes das audiências, tratando de apresentar a proposta de afiliação de forma aceitável do ponto de vista científico. Também foi importante o apoio da conhecida antropóloga Margareth Mead e o fato de que nove membros da PA também eram membros da AAAS. O presidente da AAAS, H. Bentley Glass, apoiou a afiliação, entendendo que as investigações eram científicas, apesar de dizer que os fenômenos que investigavam eram controvertidos ou inexistentes.

DESCONHECIMENTO.

Zangari diz que o episódio mostra que a instituição “ciência”, enquanto instituição humana, está à mercê de aspectos subjetivos. “Vemos que a aceitação da parapsicologia como campo científico legítimo passa, sobretudo, por questões ideológicas, filosóficas e de poder”.

Ainda assim, a parapsicologia não conta com a aceitação da maior parte dos “cientistas de elite”, como demonstrou uma pesquisa realizada pelo próprio McClenon, em 1982, com o objetivo de obter informações sobre a posição e conhecimento dos mesmos em relação à parapsicologia. Ele confirmou o alto grau de ceticismo dos cientistas com relação à ESP (extra sensorial perception, percepção extra-sensorial), dúvida que está relacionada à rejeição da legitimidade da parapsicologia. Segundo McClenon, entre a chamada elite “administrativa” dos cientistas, a crença na ESP “(...) está mais proximamente relacionada à experiência pessoal do que à familiaridade com a literatura sobre psi. (...) Pode-se esperar que os cientistas de elite defendam a visão de mundo científico mais vigorosamente que os cientistas que não são da elite, porque parte de seu papel como elite é definir a natureza da ciência. Isto os leva a estigmatizar os cientistas que investigam experiências anômalas (ou que tentam induzir tais experiências sob condições de laboratório) como tolos, incompetentes ou fraudulentos”.

O que ocorre então é que, apesar da maioria dos cientistas modernos aceitarem a legitimidade da pesquisa parapsicológica – e dos fenômenos, como demonstrava a pesquisa do dr. Richard Coll, apresentada no início da matéria – os cientistas de elite agem de maneira diferente, rejeitando alegações parapsicológicas.

Zangari se refere ao desconhecimento dos cientistas de elite a respeito das pesquisas parapsicológicas, seus resultados e suas implicações. O fato positivo que se verifica na pesquisa de McClenon é que existe um relacionamento positivo entre idade e crença na ESP. “Em 1981”, escreveu o sociólogo, a porcentagem de cientistas de elite da AAAS que nasceram antes de 1919 e que acreditavam na ESP como um ´fato´ ou como ´provável´, foi de 25%. Daqueles nascidos depois de 1936, 39% enquadram-se nessa categoria. Se essa correlação significa uma tendência, a maioria dos ´mais jovens´ cientistas de elite serão mais ´crentes´ na ESP nas próximas décadas”.

Roitman concorda que as opiniões diferentes dos cientistas com relação à parapsicologia se deve, principalmente, ao desconhecimento das pesquisas científicas de psi. “Arrisco dizer”, ele diz, “que a grande maioria dos cientistas nunca leu ou ouviu falar de pesquisa Ganzfeld. Quantos cientistas brasileiros sabem que existem teses de mestrado e doutorado sobre parapsicologia em universidades importantes, como a PUC-SP, USP e Unicamp? Some-se a isso o fato de ainda haver um certo preconceito no meio acadêmico sobre o tema, que tem diminuído gradativamente. Talvez seja um processo semelhante ao da psicanálise. Na primeira metade do século 20, era praticamente proibido mencioná-la em universidades. Submeter-se ao tratamento psicanalítico era algo feito de maneira clandestina. Hoje em dia, em alguns círculos sociais o vergonhoso é não ter sido analisado”.

Como diz Wellington Zangari, é importante notar que a legitimação da parapsicologia depende de fatores objetivos e subjetivos. Os objetivos são a validade dos métodos de avaliação utilizados, o peso das análises estatísticas favoráveis à existência dos fenômenos parapsicológicos. Os subjetivos estão relacionados a aspectos pessoais e grupais.

FENÔMENOS ESPONTÂNEOS.

Jayme Roitman também destaca a necessidade de se “falar o idioma predominante no meio acadêmico” para que a pesquisa psi conquistasse o status de ciência, e no caso o idioma é a estatística. Roitman lembra que as pesquisas sistemáticas dos fenômenos psi se iniciaram através de relatos e pesquisas de casos espontâneos (pesquisas de campo), e que a partir dessas situações é que se iniciaram os testes de psi em laboratório. “As pesquisas seriais mais completas em laboratório começaram em 1927, com Rhine (J.B. Rhine, 18951980). Desde essa época os pesquisadores priorizam este tipo de pesquisa”. Segundo Roitman, isso é motivado por diversas razões, mas três em especial: as verbas escassas destinadas à parapsicologia são, em sua maioria, concedidas para pesquisa em laboratório; a dificuldade em controlar as variáveis, inclusive a fraude, nas pesquisas de casos espontâneos; e a já citada necessidade de falar o “idioma” correto.

“O laboratório”, explica Roitman, “com seu clima emocional frio e monótono não é o local mais apropriado para manifestação de psi. O notável é que, mesmo nessa condição não favorável, encontramos psi em laboratório de maneira significativa, estatisticamente maior do que o esperado pelo acaso”.

Ele também considera importante frisar que a pesquisa de casos espontâneos é realizada por vários pesquisadores de psi, tanto no Brasil quanto no exterior. “Tenho realizado pesquisas de campo como supostos casos de poltergeist, pessoas desconhecidas do público que afirmam ter paranormalidade freqüente, pessoas que têm afirmado, na mídia, possuírem capacidades paranormais. Desses últimos cito Thomas Green Morton, Dona Ederlazil (que afirma materializar objetos no algodão) e Rubens Faria (dr. Fritz)”.

Roitman também aproveitou a oportunidade para solicitar, através da Sexto Sentido, que qualquer pessoa, médium ou não, que tenha experiência paranormal com alguma freqüência, que entre em contato com ele. “Fizemos um convite público ao Urandir Fernandes de Oliveira no sentido de pesquisá-lo de acordo com a metodologia parapsicológica. Por que será que ele não aceita o convite?”

ADAPTAR ÀS TÉCNICAS.

Segundo Zangari, o papel da ciência é o de avaliar qualquer alegação, mesmo que ela possa parecer colidir com seus postulados básicos, como por exemplo o de espaço e de tempo. “O que a ciência se propõe a fazer”, ele explica, “é a avaliação crítica de alegações, ou seja, verificar pela observação e pela experimentação se algo que é dito corresponde ao que existe na natureza. Uma hipótese é uma alegação, assim como o é o caso de alguém dizer que sonhou com algo que aconteceu no futuro”.

Assim, o que a pesquisa psi tem feito é aproximar as técnicas de pesquisa ao fenômeno que estuda. Não é o fenômeno que deve se adaptar às técnicas, mas as técnicas ao fenômeno. “Atualmente”, prossegue Wellington, “temos técnicas voltadas exclusivamente ao estudo de certas modalidades de psi, como a técnica de visão remota, para o teste de clarividência, os testes que usam geradores de eventos aleatórios, para testar a influência mental direta sobre eventos microscópicos como o deslocamento de partículas, e a técnica chamada de bio-pk, ou ´influência mental direta sobre organismos vivos´, em que se procura testar a influência da vontade sobre o funcionamento fisiológico de pessoas que se encontram à distância”.

Outro exemplo, segundo Zangari, é a tentativa de fazer com que situações em que a psi se manifestaria espontaneamente sejam o mais controladas possível. Ele diz que talvez não exista um laboratório mais perfeito a um pesquisador psi do que um cassino, local onde se encontram milhares de pessoas motivadas a ganhar os prêmios de suas vidas. “Se psi existe, ele deveria comparecer nos cassinos. Essa foi a aposta do dr. Dean Radin. Ele acompanhou vários cassinos de Las Vegas e descobriu que há períodos em que as casas perdem mais dinheiro. As correlações demonstram que esses períodos correspondem à alteração dos campos geomagnéticos. Como sabemos, tais campos se alteram conforme a proximidade e a ação do Sol, dentre outros fatores. Radin descobriu que os períodos em que o campo geomagnético está ´calmo´ são propícios para a ocorrência de psi, tornando os jogadores mais predispostos a ganharem e, conseqüentemente, os cassinos a perderem. Outros pesquisadores têm encontrado a mesma correlação em outras modalidades de jogos, como a Loto e a Sena, na Alemanha e na França. Assim, parece que os pesquisadores já se deram conta da especificidade do fenômeno que estudam há muito tempo, adaptando as técnicas ao seu estudo”.

Ao falar sobre a possibilidade da parapsicologia ser uma ponte para um tipo de união reunindo o pensamento e as experiências espirituais e científicas, Zangari diz que não há outra ciência que tenha levado mais em consideração as experiências místicas do que a parapsicologia, tendo nascido no final do século 19 exatamente para estudar tais experiências. “Infelizmente, após o início das pesquisas experimentais sistemáticas, esse campo foi praticamente abandonado, apesar de raras exceções. Vejo que, atualmente, há um lento mas consistente retorno do interesse dos pesquisadores de psi a tais experiências, bem como das experiências de quase-morte, das experiências de aparição, das experiências próximas da morte, de poltergeist. Vejo isso ocorrer sobretudo nos países latino-americanos, e mais fortemente na Argentina, Porto Rico e Brasil. Atualmente, temos vários pequenos núcleos de estudo e muitos pesquisadores autônomos”.

Para Zangari, em poucos anos esses grupos estarão integrados e os pesquisadores poderão fazer pesquisas com maior alcance, e as mudanças nesse sentido já estão acontecendo de forma rápida. Nunca os grupos dialogaram tanto. Nunca tantas pesquisas foram realizadas. O que, certamente, é uma ótima notícia para quem se interessa pelo assunto.

Para Saber Mais:

Coleção Parapsicologia 4 títulos
Conversando sobre Parapsicologia
Conversando sobre Hipnose
Wellington Zangari e Fátima Regina Machado
Edições Paulinas

Magia e Parapsicologia
Bruno A. L. Fantoni
Edições Loyola

Inter Psi/PUC-SP: www.portalpsi.cjb.net
Parapsychological Association: www.parapsych.org
Parapsychology Foundation: www.parapsychology.org

(Extraído da Revista Sexto Sentido, número 42, páginas 26-32)
http://www.ippb.org.br/textos/especiais/mythos-editora/o-poder-da-mente 

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