Há quem lhe chame pressentimento, sexto sentido, feeling, instinto. Há até quem lhe chame acaso ou sorte. Mas a intuição está longe de ser um processo mágico a que só alguns privilegiados acedem. Está presente na nossa vida, todos os dias, e é uma ferramenta da razão baseada em dados reais e objetivos.
A existência de um lado consciente e outro inconsciente no cérebro é há muito tempo conhecida da ciência. Zachary Mainen, diretor do Programa de Neurociência da Fundação Champalimaud, confirma-o. «Embora haja muito que ainda não se sabe sobre o consciente e o inconsciente, sabe-se o suficiente para entender que há uma parte da nossa mente que está a trabalhar, sem que tenhamos noção disso.» E esse trabalho, do qual não temos consciência, é-nos muito útil.» Por isso é que o facto de não percebermos o mecanismo que está por trás de certa inclinação não a torna menos válida. «É informação, mesmo quando não entendemos qual é a origem. E, em alguns casos, o melhor é segui-la.»
A todo esse conhecimento imediato e independente do raciocínio crítico ou analítico chamamos intuição. O próprio Mainen, apesar de se definir como hiperracional, admite que as grandes decisões que tomou na vida, como casar-se ou mudar-se dos EUA para Portugal, foram sobretudo sentidas. «Eu sabia que era a coisa certa.»
«Pensamos algumas coisas específicas através de um processo muito consciente», diz o neurocientista, que se tem dedicado a investigar os processos de tomada de decisão. «Por exemplo, quando fazemos uma lista ou colocamos por escrito os argumentos que sustentam uma opinião. Estas são situações nas quais passamos por esse processo racional de criar argumentos. Mas a maioria das coisas que fazemos não são conscientes, não têm um processo explícito nem visível para nós.»
Assim é, de facto. O biólogo norte-americano Bruce Lipton defende que, contas feitas, «o lado consciente da mente governa, na melhor das hipóteses, cinco por cento do nosso tempo». O restante é comandado pela mente inconsciente, o que significa que estamos em modo de piloto automático 95 por cento do tempo. E a razão por detrás desta disparidade de valor vem de outra conta também conhecida: enquanto a mente inconsciente consegue processar cerca de 40 milhões de bits de dados por segundo, os processos mentais conscientes só atingem 40 bits por segundo. É impossível acompanhar tudo conscientemente.
Zachary Mainen lembra ainda que, mesmo em decisões tipicamente racionais, nas quais equacionamos muitos fatores – como a compra de um carro, por exemplo –, apesar de avaliarmos minuciosamente muitas variáveis (consumo, tamanho, capacidade, design, preço), em última análise, quase tudo se «resume» a um «gosto deste!» ou «não gosto daquele». Porquê? Não sabemos. Algumas razões que nos levam a essa sensação tipicamente intuitiva do simples «gosto» ou «não gosto» têm origens que até podemos acabar por descobrir, se refletirmos um pouco. Mas a outras nunca conseguiremos aceder. Entram nos tais 95% do piloto automático.
Os cientistas têm estudado como a intuição está relacionada com o nível de certeza que a acompanha quando surge.
A diferença entre uma e outra está no nosso nível de especialidade ou experiência. «Quando se é um especialista em alguma coisa, é provável que se tenha uma boa intuição. Para que este nível de certeza possa ajudar a tomar decisões úteis, ele tem de estar “bem calibrado”, e nos especialistas isso costuma acontecer», explica Zachary Mainen. Tomando como exemplo um médico, o neurocientista exemplifica que «quem está habituado a fazer diagnósticos, estudou sobre isso e vê milhares de pessoas, tem boas razões para ter uma óptima intuição. É provável que saiba distinguir intuitivamente aqueles que precisam de tratamento imediato dos que não precisam. E sem estar consciente da explicação que vem nos livros para isso.»
Esta experiência não tem que ver apenas com situações profissionais. Pode aplicar–se também a intuições sobre uma pessoa que conhecemos bem – como foi o caso de Adelaide –, uma situação que nos é familiar ou nós próprios. Esse é, de resto, o campo no qual todos somos especialistas: as nossas próprias preferências.
Olhando para o pensamento racional versus intuitivo, percebemos que o primeiro, sendo analítico, requer esforço e é lento e, o segundo, ainda que consuma recursos cerebrais, é um processo sem esforço e rápido. E que ocorre naturalmente, quase sem darmos por ele. Que é como quem diz : «Se o cérebro está a trabalhar para nós “de graça”, muitas vezes é mais útil aproveitar este trabalho do que empreender o esforço de todo o processo», Renata Mainen.
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