Primeira pesquisa brasileira sobre a ontologia das interações consciência-matéria

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Hoje, dia primeiro de julho de 2015, inicia no Instituto de Psicologia da USP meu Pós-Doutorado experimental sobre a ontologia das interações consciência-matéria. O projeto intitulado “Uma investigação empírica do papel da Consciência na construção da Realidade” é supervisionado pelo Dr. Wellington Zangari, coordenador do INTERPSI - Laboratório de Psicologia Anomalística e Processos Psicossociais. 
A experiência proposta é pioneira em território nacional e implementará uma colaboração multidisciplinar entre os institutos da Psicologia e da Física da USP. A seguir explico como será a experiência proposta e suas possíveis implicações.

Premissas

Consciência é ao mesmo tempo a nossa experiência mais direta e a menos compreendida. O fato é que nós [1] estamos presenciando constantemente e em primeira mão uma espécie de filme interno que é decorado por variadas sensações, pensamentos, intenções e demais conteúdos pertencentes ao espectro da experiência humana. Independente dos conteúdos, existe um palco em que tudo isso acontece. Quando falar de consciência, estarei me referindo a esse lugar/experiência/substância.

O interessante é que com todos os avanços científicos dos últimos séculos, ainda não temos modelos satisfatórios e estamos longe de explicar o que é e como a consciência funciona. Ainda estamos estagnados em uma das primeiras questões que podem ser elaboradas sobre o tema: quais são os ingredientes necessários para que esse espetáculo ocorra? Em outras palavras, a consciência é um produto da matéria ou seria algo tão fundamental quanto?

Percebemos que o atual consenso científico é materialista. Isso significa que a maioria dos cientistas partem da premissa de que a matéria é a única substância fundamental que compõe o mundo. Nessa visão, poderíamos reduzir a nossa experiência interna a reações químicas e mais fundamentalmente a interações físicas. Nessa visão, consciência é o produto emergente de uma organização complexa de neurônios chamada cérebro. Nessa visão, cérebro gera consciência. Logo, consciência seria um desenvolvimento mais recente do processo evolutivo, uma capacidade exclusiva de seres dotados de complexa estrutura cerebral.
Porém, existem algumas dificuldades em relação ao paradigma materialista. Inicialmente, ninguém ainda conseguiu explicar como que as propriedades físicas dos sistemas como posição, momentum, spin, comprimento de onda, etc, podem dar origem a algo de uma natureza completamente diferente como, por exemplo, a sensação/experiência subjetiva da cor vermelha. Argumenta-se em relação a esse ponto, que a consciência é um produto que surge de uma organização complexa e que ainda não conseguimos entender essa tradução por limitações da nossa própria inteligência.

Aprofundando, o filósofo David Chalmers nos alertou sobre o problema difícil (Hard Problem) da consciência : por que a experiência subjetiva existe? Por que a natureza se dá esse trabalho se a princípio não há uma função evolutiva?
Finalmente, existem resultados de algumas pesquisas conduzidas em laboratório que constituem anomalias em relação a visão materialista. Esse é o tema da pesquisa proposta.

Pesquisa

Embora não saibamos dizer o que exatamente é a consciência, partindo do pressuposto materialista podemos utilizar nosso conhecimento atual sobre a Física para delimitar as suas capacidades. Inicialmente, entende-se que sistemas “quentes” e complexos como o cérebro operam dentro das leis da Física Clássica (FC). Por sua vez, na FC a troca de informação entre sistemas deve ser local. Isso significa que qualquer troca de informação deve acontecer ou por contato físico, ou mediada por alguma outra entidade física. Se o cérebro é consciência e é descrito pela FC, as trocas de informação entre seres humanos devem ser mediadas apenas por ondas sonoras, eletromagnéticas e vibrações.

A boa notícia é que a validade da premissa materialista pode ser testada em laboratório. Basta desenvolver um experimento que revele uma troca de informação, ou uma interação, entre dois sistemas em um contexto cujas fontes usuais de mediação estejam impossibilitadas.
Para investigar essa questão, o pesquisador Dean Radin do Instituto de Ciências Noéticas (IONS) iniciou em 2008 uma classe de experimentos [2, 3, 4] nos quais participantes são convidados a interferir mentalmente em dispositivos de interferometria ótica.

Do ponto de vista Físico, o experimento é relativamente simples. Há um laser que passa for uma fenda dupla e forma um padrão de interferência que é captado em intervalos regulares por uma câmera CCD. O sistema é isolado de modo que vibrações e ruídos eletromagnéticos não influenciem o sinal medido. A novidade é que participantes são convidados a entrar na sala em que o experimento está acontecendo e devem agir diferentemente conforme duas situações experimentais: atenção dirigida ou relaxamento.

Na primeira situação os participantes são convidados a concentrar sua atenção no dispositivo, direcionando sua intenção de alterar o padrão de interferência por uma via subjetiva (pede-se que os participantes “percebam mentalmente” os fótons do experimento de modo a adquirir informação sobre sua trajetória, apliquem “forças mentais” de modo a influenciar seu deslocamento, ou “tornem-se um com o sistema ótico” por uma via contemplativa). Nas condições de relaxamento os participantes devem interromper qualquer tentativa de influenciar o dispositivo experimental.

Reunindo o resultado de várias sessões e de vários participantes diferentes, é possível comparar estatisticamente o padrão de interferência medido pela câmera CCD nas duas situações. O interessante é que contrariando o esperado pela visão tradicional, nos três artigos publicados [2, 3, 4] os participantes causam uma alteração estatisticamente significativa no aparato durante as situações de atenção dirigida. Igualmente interessante, existem duas categorias de participantes: meditadores e não meditadores [5] e apenas os primeiros conseguem produzir as diferenças, apontando para a possibilidade de que tais fenômenos ocorram, mas dependam de estados alterados/modificados de consciência.

Caso os resultados da pesquisa do Dr. Radin estejam corretos, seremos convidados a rever a concepção usual sobre a consciência ser equivalente a cérebro. Caso a consciência tenha a real capacidade de influenciar a matéria à distância, é possível que exista um tipo de força que os modelos atuais da física ainda desconhecem. Nesse caso, a consciência não poderia ser reduzida a constituintes materiais e as quatro interações fundamentais atualmente conhecidas. Logo, consciência passaria a ter um status tão fundamental quanto o da matéria, ao invés de produto final do desenvolvimento evolutivo conforme a visão do materialismo emergente.

Supondo a consciência como um “campo de força fundamental”, podemos a compreender, em um certo sentido, como um fenômeno compartilhado. Ao mesmo tempo, ao longo da existência humana, praticantes de diversas linhagens místicas/espirituais relataram de forma sistemática uma certa unidade intrínseca de nossa existência. Caso a hipótese do “campo de consciência” seja confirmada, é possível deslumbrar as implicações culturais de uma possível ponte entre ciência e espiritualidade, na medida em que a última estaria relacionada com a exploração subjetiva da real natureza da consciência.


Por outro lado, ao conhecer os resultados da pesquisa do Dr. Radin é necessário questionar se todos os cuidados experimentais foram tomados para isolar os efeitos medidos das fontes usuais de troca de informação e se as análises dos dados foram bem conduzidas. Assim, a proposta do projeto de Pós-Doutorado na USP consiste na replicação das pesquisas de interação consciência-matéria do Dr. Radin.

A pesquisa em questão terá a colaboração de um laboratório do instituto de Física da USP que disponibilizou os equipamentos necessários para a execução do experimento. É um momento interessante em que uma nova área de pesquisa multidisciplinar surge no contexto das grandes instituições de pesquisa brasileiras. Embora o tema seja controverso, o design experimental constitui uma maneira empírica de investigar a questão. Independente de nossas expectativas, os dados falarão por si mesmos.

Aguardem em breve, cenas dos próximos capítulos.

Para saber mais sobre a pesquisa, leia o projeto original.

Notas e referências

[1] Há quem defenda a possibilidade solipsista de que somente EU seja real e que o mundo ao redor não passa de um sonho. Embora não seja possível refutar de forma empírica essa ideia, o autor a deixará de lado no que se segue.




[5] A distinção entre as duas categorias de participantes pode ser generalizada pela correlação com uma escala de absortividade. Pontuam alto nessa escala pessoas que tenham a capacidade de focar sua atenção plenamente em uma tarefa a ponto de “se esquecerem do mundo de fora” e não estarem mais pensando na atividade que executam. Exemplos típicos são músicos, artistas, terapeutas holísticos, praticantes de artes marciais, atletas, meditadores, religiosos, entre outros.
http://gabrielguerrer.com/post/122969616987/posdocusp

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